Escolas e Covid

Um poema drástico de Cora Coralina conta das palmatórias, a mãozinha pequena estendida, a mijada incontinente após a humilhação. Não foi estória, foi fato.
Coisas do tempo bem antigo.
Mas um fato ocorreu nos tempos modernos. Era o ano de 1992, primeira série, Escola Jacyra, pequeninos dentro da sala e a professora enorme, grande nos ensinamentos, altiva e severa.
Sentávamos em fila por nome, por letra. Ao meu lado, uma menina de poucas posses, não tinha material e sempre pedia à professora um lápis. Só que acabava roendo, sobrava um toco e quando a exigente professora passava para fiscalizar as lições, logo percebia o estrago e advertia em voz solene: – De novo você comeu o lápis, menina.
Um dia, a professora perdeu a paciência com a aluninha e saiu da sala. Retornou com um tronco, que caía regularmente no pátio, de uma das árvores centenárias da escola.
Jogou em cima da carteira da garota e gritou: – Pode comer a vontade agora!
A menina abaixou a cabeça, chorou baixinho e a professora, convicta de ter cumprido uma missão educacional, se dirigiu até a lousa para continuar a lição.
Uma outra aluna gritou: – Professora, professora, ela está fazendo xixi.
Enquanto chorava, escorria pelas pernas da cadeira a quente urina. Lágrimas e xixi se diluíram no piso de madeira, respigando talvez até no fétido porão. A professora, para evitar maiores problemas, mandou embora a aluna mijada para ser buscada por algum responsável.
Aquele sadismo praticado aos olhos de todos da classe, me demonstrou um mundo estreito de uma sala de aula quadrada.
E hoje discute-se o retorno presencial de aulas. Nessa semana, uma escola particular em Campinas teve que suspender as aulas presenciais em virtude de um surto de Covid entre funcionário e alunos. Imagina na rede pública, onde terão menos acesso a testes e os professores acabam trabalhando em mais escolas ao mesmo tempo.
Um alerta divulgado por especialistas em planejamento da Universidade de Granada, na Espanha, afirmou que colocar 20 crianças numa única sala de aula implica em 808 contatos cruzados em dois dias.
Que grande diferença fará esperar mais um pouco? Para quem já perdeu 40 semanas de aula, qual o mal irremediável que fará perder mais 20 ou 30 semanas, pelo menos até que professores, funcionários e parentes idosos estejam devidamente vacinados e, se dermos sorte, imunizados?

Rafael Ap. Ferreira de Almeida, advogado

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