O Brasil enfrentará um grande desafio nos próximos anos em relação ao mercado de trabalho para médicos. Um levantamento com dados da Demografia Médica de 2024 do Conselho Federal de Medicina (CFM) revela que o número de médicos no país cresceu 89% desde 2010, passando de 304.406 para 575.930 profissionais ativos este ano.
O maior aumento ocorreu entre 2022 e 2023, quando o total subiu de 538.095 para 572.960, representando um crescimento de 6,5%. Com 2,8 médicos por mil habitantes, o Brasil tem uma taxa semelhante à do Canadá, superando países como Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul e México.
Entretanto, apesar do avanço significativo, a disparidade no número de profissionais atuando em grandes centros urbanos e no interior do Brasil é significativa. Nas capitais o número de médicos registrados por mil habitantes alcança o patamar de 7 – praticamente o dobro da média registrada nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – a média nas cidades do interior é de 1,9 por mil habitantes.
Apenas quatro capitais têm densidade médica menor do que a verificada nas nações da Organização: Macapá, Boa Vista, Manaus e Rio Branco. Vitória (ES), por exemplo, registra a maior densidade do país: 18,7 médicos por mil habitantes. Em contrapartida, a média do interior do estado é de 2,2.
De acordo com o CEO do Grupo Hygea, que atua no gerenciamento de estruturas de saúde, sejam elas Unidades Básicas e Postos de Saúde, Unidades de Pronto Atendimento ou Hospitais, Thiago Madureira, a má distribuição de médicos e de especialistas é preocupante por conta de sua relação com a formação dos profissionais e ressalta as disparidades socioeconômicas e de infraestrutura de saúde no país.
“O aumento da oferta de profissionais e demanda baixa de vagas ocasiona na diminuição da remuneração. Este é um dos motivos que exige a implementação de políticas públicas para fixar os médicos em regiões mais carentes do país”, afirma Thiago.
Segundo ele, a remuneração é apenas um dos elementos do tripé essencial para a atuação profissional em determinado local, que inclui ainda condições de trabalho, estrutura e condição socioeconômica do município. Outro fator importante é o aumento no número de faculdades que oferecem cursos de medicina e o baixo número de vagas para residência médica.
“A cada ano o Brasil forma 56 mil médicos e apenas 30% conseguem entrar na residência. Em 2024 foram 33 mil vagas para residentes, para um contingente de quase 100 mil médicos que prestaram as provas, ou seja, dois terços não conseguem ou demoram para conseguir entrar na residência, ocasionando em uma alta demanda de profissionais sem capacitação adequada para assumir determinadas funções nos municípios brasileiros”, comenta.
Esses são alguns exemplos de um país onde, uma década após a criação do Programa Mais Médicos, quase 80% dos municípios não possuem sequer dois profissionais para cada mil habitantes. Mas, afinal, de que forma é possível incentivar a interiorização dos médicos brasileiros? No documento de propostas Caminhos Para Fortalecer a Saúde Pública no Brasil, a Agenda Mais SUS, iniciativa do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e da Umane, adverte que a oferta de salários atrativos, por si, não é garantia de sucesso. Fatores como identificação ou proximidade com o local de trabalho, nível de infraestrutura e contexto sociocultural pode pesar mais no momento de um médico escolher onde quer trabalhar. “A remuneração não é um ponto preponderante para a baixa fixação médica no interior. A possibilidade de cursar uma especialização, uma pós-graduação com especialização em serviço, é um fator determinante, assim como a infraestrutura do ambiente onde o médico será inserido”, disse Stephan Sperling, da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares ao Jornal Brasil de Fato.