As controvérsias em torno do chip da beleza e o desafio regulatório da Anvisa

Cláudia de Lucca Mano é advogada, sócia fundadora da banca De Lucca Mano Consultoria, consultora empresarial atuando desde 1994 na área de vigilância sanitária e assuntos regulatórios

 

Em dezembro de 2023, diversas entidades médicas assinaram manifesto condenando o uso de implantes hormonais no Brasil. A missiva foi dirigida a Agência Nacional da Vigilância Sanitária (Anvisa) e condena a utilização dos chamados “chips da beleza” que se popularizaram no Brasil. Os implantes carregam doses de hormônios como a testosterona e a gestriona com a promessa de retardar o envelhecimento, tratar a menopausa, redução de gordura corporal, aumento de libido e massa muscular. Segundo as entidades médicas que assinam o manifesto, não há evidências científicas que atestem a segurança e eficácia destes tratamentos.

No Brasil, existe um único implante hormonal industrializado aprovado pela Anvisa como anticoncepcional, denominado Implanon, cujo princípio ativo é o etonogestrel. O mercado do chip da beleza vem sendo abastecido por farmácias de manipulação autorizadas para produzir estéreis, as mesmas que estão sendo alvo de um programa de inspeções capitaneado pela Anvisa. Os produtos são manipulados mediante prescrição médica e enviados às clínicas, que realizam o procedimento de implante em consultório. A prática de atender clínicas, hospitais e estabelecimentos análogos com produtos manipulados é permitida pela legislação das farmácias de manipulação, a RDC 67/07. Os chips, porém, não podem ser revendidos aos pacientes, e devem ser utilizados/aplicados enquanto o paciente está em atendimento clínico ou ambulatorial. As farmácias de manipulação estão plenamente habilitadas para este atendimento, e os médicos para a prescrição, aplicação e acompanhamento dos pacientes.

O problema parece residir na suposta ausência de evidências clínicas mais robustas. Na carta aberta, destacam-se inúmeras manifestações de profissionais contrários à prática que alertam para a possível ocorrência de efeitos colaterais graves, tais como infarto, Acidente Vascular Cerebral (AVC) e tromboembolismo. Complicações cutâneas e alterações de humor também são relacionadas ao uso da “chipagem hormonal”, segundo os médicos. Para mulheres, os riscos alcançam a fertilidade e a regularidade menstrual, podendo causar mal formação fetal, por exemplo. Em abril de 2023, o Conselho Federal de Medicina (CFM), reagindo a manifestação similar de sociedades médicas, proibiu as chamadas “terapias hormonais” para fins estéticos ou desportivos, através da Resolução CFM 2333/23. A medida não conteve o avanço dos chips da beleza no mercado, visto que basta associar a prescrição a condições de saúde diferentes da estética ou desportiva, contornando a restrição. Importante ressaltar que produtos injetáveis vem sendo cada vez mais indicados por profissionais não médicos, a exemplo da soroterapia. Ao buscarmos a regulamentação de diversas categorias profissionais, verifica-se que já existem resoluções ou pareceres favoráveis dos conselhos profissionais de biomedicina, fisioterapia e até mesmo de farmácia (Resolução CFF 760/23, de dezembro) liberando a prescrição de produtos estéreis por outras categorias de profissionais da saúde. A proliferação de tratamentos inovadores para beleza e bem-estar vem apresentando novos desafios regulatórios e ético-profissionais. A segurança dos tratamentos não é consenso entre profissionais de saúde, ora defensores, ora contrários às práticas. Caso a Anvisa decida pela proibição de manipulação de chips hormonais em farmácias de manipulação – como fez em novembro de 2023 com preenchedores intradérmicos (RE 4424/23) – ainda enfrentará resistência de médicos e farmácias, o que demandará esforço fiscalizatório para fazer cumprir a nova regulamentação.

 

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