José Renato Nalini é Reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras
Aquele que escreveu “A minha casa pobre é rica de quimeras”, conhecia o labirinto da alma humana. Perscrutou-a e identificou aquela “auris sacra fames”, a maldita fome de ouro, que Virgílio inseriu na “Eneida”, como indissociável característica da maior parte da humanidade.
Essa inspiração fez com que Carlos Drummond de Andrade escrevesse “Convite à Glória”: “Juntos na poeira das encruzilhadas conquistaremos a glória. – E de que me serve? – Nossos nomes ressoarão nos sinos de bronze da História. – E de que me serve? – Jamais alguém, nas cinco partidas do mundo, será tão grande. – E de que me serve? – As mais inacessíveis princesas se curvarão à nossa passagem. – E de que me serve? – Pelo teu valor e pelo teu fervor, terás uma ilha de ouro e esmeralda. – Isso me serve”.
Essa a busca incessante, que Drummond inseriu na obra poética “Quixote e Sancho”, mas que traduz aquilo que parcela considerável do bicho-homem persegue durante sua efêmera e frágil peregrinação por este Planeta.
Conquistar, amealhar, acumular. Preocupar-se com a ladroagem. Indignar-se com a tributação. Impregnar de ambição a própria prole. Atormentar-se. Temer. Saber que tem o que perder. E não pensar que um dia tudo ficará, para gáudio dos herdeiros, que dilapidarão aquilo que custou suor, sangue e sono do sovina.
Quase toda a humanidade se esqueceu da mensagem evangélica: se tens tanto amor aos tesouros, ali é que você colocou sua alma. O desespero de não ter controle sobre um futuro no qual você já não estará aqui, levou à sofisticada construção de normas que vinculam o patrimônio, retiram a prerrogativa de uso pleno por parte dos herdeiros, fornecem a ilusão de que o morto continuará a mandar naquilo que um dia foi seu, mas que não levará consigo para o mistério.
Vã ilusão. O tempo tudo desfaz, as gerações se sucedem com rapidez e nem a poeira de quem se preocupou com a glória remanescerá para o cultivo da memória. Lembrar-se-ão do sovina, que fez da avareza a sua melhor, senão única companhia.
Mago Drummond! Só terminando com o “volto pelos caminhos, à procura de mim, que de mim se perdera…”