Mais uma eleição se aproxima, momento de extrema importância para nossa ainda jovem democracia, período em que nos questionamos qual o nosso real papel nesse processo político, oportunidade para fazermos uma profunda reflexão sobre os atos de cada partido, candidato e cidadão e o respeito de cada qual pela disputa eleitoral e pela moralidade pública.
A pandemia do Covid-19 tem trazido muitas dúvidas acerca dos seus impactos no processo eleitoral desse ano, deixando um cenário de incertezas para partidos e pré-candidatos quanto à realização, ou não, das eleições em 4 de outubro, bem como sobre a realização das convenções partidárias, previstas para 20 de julho a 5 de agosto, bem como a própria realização da campanha eleitoral, que terá início em 16 de agosto.
Tamanha incerteza se deve ao fato de que os mais importantes atos do processo eleitoral necessitam da aglomeração de pessoas, o que, dada a alta taxa de disseminação da doença e o elevado risco de letalidade para grande parte da população, podem contribuir em muito para o aumento dos casos e o colapso do sistema de saúde.
Assim, com o avanço da epidemia, a preocupação com os impactos que poderão advir para o processo eleitoral e, em especial, para os atores políticos, assim como para os cidadãos em geral, torna-se intensa a discussão acerca de eventual adiamento ou alteração do calendário eleitoral.
É preciso destacar que, a definição da data da eleição é trazida pela Constituição de 1988, que no seu artigo 29, inciso II, prevê que a “eleição do Prefeito e do Vice-Prefeito realizada no primeiro domingo de outubro do ano anterior ao término do mandato dos que devam suceder”, assim como o inciso III, do mesmo dispositivo, que prevê a “posse do Prefeito e do Vice-Prefeito no dia 1º de janeiro do ano subsequente ao da eleição”. A mesma previsão é repetida pelo artigo 1º, da Lei das Eleições.
Ademais, os atos do processo eleitoral que antecedem à eleição e que guardam relação com essa, tais como prazo final de filiação, domicílio eleitoral, janela partidária e convenção partidária estão diretamente vinculados a previsão constante do texto da Constituição, portanto, diferentemente do que se tem afirmado, não é a Justiça Eleitoral quem decide pela alteração do calendário, o que depende de mudança na Constituição e na legislação ordinária, portanto, competência do Congresso Nacional.
Por outro lado, o TSE, em resposta recente a uma consulta, respondeu ser possível a realização de Convenções virtuais, resguardando-se a transparência e lisura do ato, que, respeitando as medidas de isolamento recomendadas pela OMS, garantiriam a saúde dos cidadãos e a manutenção do processo eleitoral.
Assim, até o presente momento, embora preocupados com o avanço da doença, bem como com eventual elevação do número de abstenção eleitoral, o Grupo de Trabalho criado pelo TSE para acompanhar os impactos da Covid-19 emitiu, até o momento, três pareceres afirmando ser possível a manutenção do calendário eleitoral com a realização da eleição em 4 de outubro, validando o prazo de filiação, e garantindo-se todos os demais atos, em especial as convenções e a própria campanha eleitoral.
Por sua vez, os Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal afirmaram numa entrevista recente que es-tão analisando os impactos da pandemia e discutindo a possibilidade de alteração da data das eleições para o fim do ano, para o qual criarão uma Comissão Especial para estudo do tema, o que já conta com a propositura de, pelo menos, dois Projetos de Emenda à Constituição (PEC) em tramitação.
Como se vê, com o avanço das tecnologias e dada a complexidade do processo eleitoral, que não se resume à data da eleição, embora haja manifestações de congressistas, por enquanto, considerando-se o que defende o Tribunal Superior Eleitoral, não há que se falar em mudança de calendário, nem sequer em unificação das eleições em 2022 com extensão de mandatos, que demandaria ainda mais estudo, o que, em qualquer dos casos, independe de atuação da Justiça Eleitoral, necessitando de grande movimentação por parte do Congresso Nacional.
Amilton Augusto – Advogado especialista em Direito Eleitoral e Administrativo. Vice-Presidente da Comissão de Relacionamento com o Poder Legislativo da OAB/SP. Membro julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RJ. Membro fundador da ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (2015). Membro fundador e Diretor Jurídico do Instituto Política Viva. Membro do Conselho Consultivo das Escolas SESI e SENAI (CIESP/FIESP). Coautor da obra coletiva Direito Eleitoral: Temas relevantes – org. Luiz Fux e outros (Juruá,2018). Autor da obra Guia Simplificado Eleições 2020 (CD.G, 2020). Coautor da obra Dicionário Simplificado de Direito Municipal e Eleitoral (Impetus, 2020). Palestrante e consultor. E-mail: contato@amiltonaugusto.adv.br.