Gaslighting: a manipulação invisível que destrói o ser humano

Já se pegou duvidando de sua memória, suas emoções e até quem você é?

Agora, imagine que isso seja fruto de uma distorção na sua percepção da realidade, realizada de forma sutil e calculada por alguém próximo a você. Essa experiência tem nome: gaslighting.

Uma forma de manipulação emocional que mina a autoestima e pode levar ao colapso da saúde mental. Frases como “Você está exagerando”, “Isso nunca aconteceu”, “É coisa da sua cabeça”, são comuns nessa prática. O manipulador insiste em invalidar os sentimentos ou memórias da vítima, criando uma teia de confusão que pode durar meses ou anos.

O fenômeno, popularizado pelo filme Gaslight e explorado em profundidade no livro O Efeito Gaslight, de Robin Stern, não é apenas um problema interpessoal – é um reflexo de como a manipulação se tornou uma ferramenta poderosa na sociedade.

De acordo com o psicólogo Elisson de Oliveira, esse processo começa com pequenos atos e, aos poucos, o manipulador ganha controle emocional, enquanto a vítima, agora insegura, começa a questionar tudo, até sua própria sanidade.

Os impactos do gaslighting na saúde mental são claros: sintomas de ansiedade, depressão, bem como alterações na autoestima, além do distanciamento e dificuldade em estabelecer novas relações. “Não é exagero dizer que, para muitas vítimas, a manipulação emocional é tão destrutiva quanto o abuso físico”, afirmou o especialista.

Em seu livro, Stern, descreve três estágios que ajudam a entender a progressão desse abuso psicológico: 1) Descrença: a vítima percebe comportamentos estranhos e desconfortáveis, porém os tolera, crendo ser apenas mal-entendidos. 2) Defesa: tentando se proteger, a vítima entra em discussões para provar sua visão, mas acaba exausta e frustrada, uma vez que sempre é invalidada; 3) Depressão: com o tempo, a vítima começa a internalizar as críticas e invalidações, duvidando de si mesma, passa a se sentir desamparada e perde a confiança em suas próprias percepções.

Segundo o psicólogo, esse ciclo é o que torna o gaslighting devastador e potente. “Ele desarma emocionalmente a vítima, impedindo-a de reagir, uma vez que explora vulnerabilidades humanas universais: a necessidade de validação, pertencimento e amor”.

O especialista faz um alerta, que embora o gaslighting seja mais frequentemente associado a relações íntimas, como vínculos amorosos e familiares, também pode ocorrer no trabalho, nas amizades, e também é instrumentalizado em contextos sociais e políticos. “Todos estamos sujeitos a cair nessa armadilha emocional, não existe imunidade para essa forma de violência. Superar o gaslighting exige primeiro reconhecer que você está sendo manipulado. Isso pode ser difícil, especialmente porque a manipulação emocional cria uma sensação de dependência e culpa. Porém, com apoio psicológico é possível reconstruir a autoestima e recuperar o controle sobre sua vida”, ressaltou.

Para Elisson de Oliveira, o gaslighting não é apenas uma questão de abuso interpessoal, é um atentado contra a autonomia e saúde mental. “Precisamos aprender a confiar mais em nossos instintos e validar nossas emoções. Em meu trabalho, vejo a importância de fortalecer a autoestima das vítimas, possibilitando também que reconheçam seus sentimentos e estabeleçam limites saudáveis, para assim cultivar relações de apoio a fim de quebrar o ciclo de manipulação. Mas esse é um esforço que precisa ir além do individual”.

Conforme análise do profissional sobre o assunto, como sociedade, devemos promover uma cultura de empatia e diálogo, onde as experiências de cada um sejam validadas. “Isso significa educar sobre gaslighting, tanto em casa quanto nas escolas, para que possamos identificar e combater essa forma de abuso antes que ela cause danos irreparáveis. Libertar-se do gaslighting é um ato de coragem – e também de resistência”, finalizou.

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