Walter Martins de Oliveira, Psicanalista e Doutor em Educação
Não há como negar a extrema dificuldade em entender as razões pelas quais os humanos, no curso de sua história, ainda não conseguiram viver plenamente a paz entre si. Perguntas que, creio, são pertinentes no contexto desta reflexão: por que a humanidade ainda se encontra incapaz de se preparar para a paz? Será que ainda, em pleno século XXI, o ser humano continua infantilizado e, por conseguinte, incapaz de escolher a vida? Por que a humanidade, no alto de seu desenvolvimento tecnológico, atém-se a viver chafurdada entre o ódio e a guerra? Como é possível que o ser humano ainda não tenha sido capaz de controlar sua fúria? Segundo Freud, o “pai” da psicanálise, o ser humano convive com duas forças fundamentais: a pulsão de vida (o amor em todas as suas dimensões), chamada Eros, e a pulsão de morte (forças destrutivas), chamada Tânatos. São forças que atuam misturadas, às vezes se confrontam, mas às vezes até se colaboram. É da tensão entre essas duas forças que nascem a vida psíquica e seus conflitos (interiores), porém, igualmente, os grandes dramas e tragédias (exteriores), morte e sinais de morte na civilização. Logo, o ser humano ainda não conseguiu superar a terrível realidade dentro de si (sua singularidade) e em seu relacionamento (coletividade), como gente do ódio. Para Freud, em O mal-estar na civilização, a evolução da humanidade em seu sentido humanístico, exige a renúncia a muitas satisfações pulsionais, sobretudo as agressivas. Depreende-se da teoria psicanalítica que, ao contrário de idealizar o ser humano como originalmente bom ou puro, é necessário encarar sua natureza, sem disfarces; é necessário reconhecê-la para transformá-la. Portanto, não significa negar as sombras (o Tânatos), pois a incapacidade em reconhecê-las, leva o indivíduo a projetá-la no outro (no estrangeiro, no diferente, no inimigo imaginário), aquilo que não suporta em si mesmo e isto é o que alimenta a intolerância, o fanatismo, e a eliminação do outro/outra. Refere-se ao Mecanismo de Defesa, chamado de Projeção. Finalmente, a Psicanálise não está apontando para uma utopia ingênua, mas para o compromisso ético (individual e coletivo) de enfrentamento ao que há de mortífero, de letal no humano. Para Lacan (importante discípulo de Freud), os caminhos humanos em seu sentido individual e social, não estão separados. A guerra que o indivíduo trama dentro de si reverbera no social, basta que, para isso, ele tenha oportunidade e poder suficientes para a concretização de suas atitudes e ações. O futuro dos humanos, para a literatura psicanalítica, certamente depende da capacidade e do amadurecimento, destes, em reconhecer e trabalhar com as realidades de Eros e Tânatos, sem sucumbir a esta última. Está em se perguntar: de onde vem minha raiva? que parte de mim ainda rejeito e projeto nos demais? Está na recusa da barbárie, no esforço em elaborar o sofrimento e em se predispor a amar, mesmo não querendo.