O Dia de Finados e a Psicanálise (02/11/25)

Walter Martins de Oliveira, Psicanalista e Doutor em Educação

Em nosso inconsciente somos todos imortais, por isso é praticamente inconcebível para qualquer ser humano reconhecer que um dia terá que enfrentar a morte. O inconsciente não utiliza a ideia de passado, presente e futuro. Seguramente, deveríamos pensar na morte e no morrer de vez em quando, para não depararmos com eles, de súbito, mais cedo ou mais tarde, um dia (ou uma noite) na vida. Curiosamente, o paciente em seu estágio final, porta-se, a partir de um sistema sinalizador interno, que o avisa de que sua morte está prestes a acontecer (KUBLER-ROSS, 2008). A maioria das nossas crenças, dos nossos atos de fé, comportamentos e sentimentos referentes à morte, têm seu fundamento em nosso inconsciente. Serrano (2019), ao citar Freud, afirma que a morte é um objetivo de toda a vida, que todo mundo deve à natureza uma morte, e que o desígnio derradeiro da vida é a sua própria extinção. Portanto, a vida tem necessariamente que completar seu ciclo de existência e todo ser normal carrega em si a pulsão de vida, ou seja, a força psíquica inconsciente em continuar vivendo. Viorst (1995), ao citar o filósofo Walter kaufmann, assegura que o que faz toda a diferença no modo como uma pessoa enfrenta a morte é a satisfação pelo que realizou e realiza durante a vida. Aquele/aquela que nega a realidade, continua a negá-la até a morte. Porém, é certo que o processo de morrer, a proximidade da morte ou a ameaça à vida, pode oferecer uma nova oportunidade, um novo tempo de crescimento, mudança e transformação ao sujeito (exceto ao boçal). Significa que poderá levá-lo a um novo momento de desenvolvimento emocional e afetivo, isto é, a converter-se, comprometer-se de modo singular e coletivo com as transformações estruturais de um Modo de Produção alicerçado na pulsão de morte, a tornar-se mais cuidadoso com os sentimentos dos outros, mais compreensivo e amoroso consigo mesmo, com a vida, com as pessoas e com o planeta. Nessa lógica, o dia de Finados não é apenas um dia sobre a morte, mas é especialmente sobre a memória viva dos que amamos. O silêncio dos cemitérios forçosamente nos convida a escutar a voz dos ensinamentos, da brevidade da vida, do amor, da justiça social, da igualdade entre os irmão e irmãs e da vida plena para todos e todas (cf. Jo 10:10). Para Erich Fromm, morrer é dolorosamente amargo, mas a ideia de ter de morrer sem ter vivido plenamente é insuportável. É possível que nada seja mais pedagógico do que a morte. Aqueles que já partiram apontam-nos, inexoravelmente, o caminho do viver de tal modo que a vida faça sentido. A Psicanálise nos lembra que os que amamos não desaparecem quando morrem, pois, permanecem em nós, na forma como amamos e vemos o mundo. Portanto, não basta lamentar a ausência, é necessário reconhecer a presença simbólica daqueles que já partiram e que habitam em nossa memória, em nosso inconsciente. A espiritualidade nos recorda que a vida não termina, transforma-se. Finalmente, o Dia de Finados tem de ser vivido não como um dia de tristeza, mas como um tempo de reverência e consideração àqueles e àquelas que amamos.

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