É provável que muitas pessoas não saibam que cemitérios podem ser patrimônio cultural ou até mesmo museus! Os cemitérios da área urbana e rural de Capão Bonito tem um grande potencial de estudos, contendo estilos variados e túmulos de mais de 150 anos. Poucos, no entanto, conhecem o pequeno cemitério escondido próximo ao centro da cidade e que conta a história de um período difícil para um grupo social bastante estigmatizados, os portadores de hanseníase. A maneiro com que enterramos os mortos na nossa cultura tem dois séculos de existência no Brasil. Herança dos hábitos portugueses desde a colonização, no Brasil não indígena predominava a prática de enterrar os mortos dentro de igrejas e capelas, ou ao redor delas. Enquanto o enterro dentro da igreja era reservado às famílias nobres e aos padres e bispos, o espaço exterior nos arredores da igreja, era destinado à população comum, incluindo os escravizados. Hoje sabemos que essa prática não está de acordo com as normas sanitárias, mas até meados do século XIX, esse era o costume. Alguns relatos do século XVIII mostram que havia exceções. Surtos de doenças contagiosas deste período indicavam o conhecimento sobre os perigos a saúde que mortos de moléstias contagiosas podiam oferecer e, nesses acasos, os sepultamentos aconteciam fora do perímetro urbano, durante a noite e fechado ao público. Essa prática era emergencial e assim que os surtos passavam, os mortos voltavam á ritualística religiosa. Podemos concluir que havia uma proximidade dos mortos e o espaço sagrado, assim como dos vivos e sua rotina religiosa. A partir do século XIX, as práticas higienistas da medicina se fortaleceram depois de surtos de cólera-morbo, não sem resistência da população e da igreja.
Com idade estimada em mais ou menos 100 anos, não sabemos muito sobre seu surgimento. A revista Capão Bonito- Amor Infinito relata a fundação do cemitério em 1910 pelo líder e defensor dos portadores da doença Felix Gabriel dos Santos, de onde originou-se o nome Nhô Felix: “Em 07 de Janeiro de 1910, Nhô Félix fez um requerimento junto a Câmara Municipal de Capão Bonito, solicitando um terreno que pertencia à Municipalidade para plantar capim. Mas, como o terreno se localizava no reduto dos hansenianos, uma região desvalorizada, e o cemitério da cidade não aceitava os doentes, ali se instalou a necrópole dos leprosos.” Infelizmente não foi encontrada a ata que contém o citado requerimento. Em 1989, o vereador Abner Batista da Silveira deu nome ao cemitério como é conhecido oficialmente hoje. O uso da palavra lepra foi descaracterizado em 1995 por ser considerado pejorativo e carregado de preconceitos perpetuados até recentemente. A hanseníase é uma doença crônica causada pela bactéria Mycobacterium leprae cujos sintomas são a perda da sensibilidade das mãos, braços, pernas e pés, incluindo os olhos, fraqueza muscular, feridas que não curam entre outros sintomas leves, que, se não forem tratados, pode causar lesões severas e irreversíveis. Altamente estigmatizada na época do surgimento do cemitério, a doença ainda não tinha cura e seu contágio tornava os doentes pessoas a serem evitadas de qualquer forma. Os portadores, também chamados na época de lázaros, sofriam exclusão social. A discreta entrada do cemitério Nhô Felix passa desapercebida facilmente e sua aparência demonstra a sobriedade e discrição com que foi construído. Entre o gradeado e o portão de entrada, existe um pequeno jardim e em seguida, os túmulos sem ornamentos, indicando talvez o poder econômicos das famílias dos mortos. O único túmulo com informação apresenta o nome e a data de falecimento e, infelizmente, não foi possível rastrear a origem da pessoa ali enterrada. Sabe-se apenas que se chamava Thereza Leandrina do Espírito Santo, falecida em 23 de maio de 1929. Se você tem fotografias, documentos ou histórias sobre o cemitério, envie para mim por email: veronica.volpato@gmail.com ou instagram: @veronicavolp . Fotos e texto: Verônica Volpato.