Modalidade domiciliar pode melhorar rotina de quem depende da diálise

O número de pessoas que dependem da diálise para sobreviver não para de crescer no Brasil. Segundo o Censo Brasileiro de Diálise 2024, realizado pela Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), mais de 172 mil pacientes estão em tratamento no país, um aumento de quase 10% em relação a 2023 e de 55% na última década. O dado reflete o avanço das doenças renais crônicas e traz à tona a discussão sobre alternativas ao modelo mais utilizado hoje, a hemodiálise.

Atualmente, 87,3% dos pacientes realizam hemodiálise, 7,1% optam pela hemodiafiltração e apenas 5,6% (cerca de 7 mil pessoas) fazem diálise peritoneal, uma modalidade que pode ser realizada em casa. A taxa é considerada baixa em comparação com a média mundial (20%), e com países como os Estados Unidos (15%) e o México (50%).

A hemodiálise, padrão predominante no Brasil, é realizada em clínicas especializadas. O paciente permanece ligado a uma máquina por cerca de quatro horas, três vezes por semana. Embora eficaz, o método pode trazer efeitos colaterais significativos, como maior risco de infecção, sobrecarga cardíaca e a chamada “síndrome pós-diálise”, que deixa muitos debilitados após as sessões.

Já a diálise peritoneal utiliza a membrana do peritônio, localizada no abdômen, como filtro natural. O procedimento costuma ser feito diariamente, geralmente durante a noite, com auxílio de uma máquina cicladora. Além de proporcionar maior autonomia e flexibilidade, permite que o paciente mantenha a rotina de trabalho e até viagens, sem as limitações impostas pela hemodiálise. Entre os riscos, está a peritonite, uma infecção tratável com antibióticos.

Para o nefrologista Paulo Lins, gerente médico da Vantive, a escolha do tipo de tratamento deveria ser planejada desde o diagnóstico precoce da doença renal crônica. “Em um mundo ideal, depois de identificada a insuficiência renal, o paciente seria encaminhado a um nefrologista, que indicaria o melhor tipo de diálise para aquele caso. Ele pode ir a uma clínica de hemodiálise, onde fica ligado a uma máquina três vezes por semana, ou pode fazer a diálise peritoneal em casa, recebendo a máquina, as soluções e o treinamento para realizar o procedimento com segurança”, explica.

No entanto, ele ressalta que a realidade brasileira é bem diferente. “No pior cenário, que é o que acontece com 70% a 90% dos pacientes, ele passa mal, faz exames na UPA e descobre, ali na hora, que seu rim não funciona mais. Como a hemodiálise está mais capilarizada, acaba sendo a terapia indicada. Neste caso, o grande desafio torna-se implementar a diálise peritoneal nos serviços de emergência, já que pacientes precisam ocupar leitos de UTI para realizar a hemodiálise”, afirma.

Do ponto de vista clínico, os resultados das duas modalidades são semelhantes, mas, segundo Lins, a qualidade de vida com a diálise peritoneal é superior. “O paciente mantém a sua autonomia, pode seguir trabalhando e viajando, não tem a ‘ressaca’ da hemodiálise e acorda bem”, diz.

Além de defender a ampliação do acesso à diálise peritoneal, o especialista alerta para a importância da prevenção e do diagnóstico precoce. Ele lembra que 10% a 20% da população adulta brasileira está em grupos de risco para doença renal crônica, especialmente pessoas com diabetes e hipertensão.

A diálise peritoneal é coberta pelo SUS e também está no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Uma portaria do Ministério da Saúde de 2011 estabeleceu a meta de que 20% dos pacientes em diálise utilizassem essa modalidade, mas, mais de uma década depois, o país ainda está longe de alcançar esse objetivo.

Para especialistas, ampliar o uso da diálise peritoneal é estratégico não só para oferecer mais qualidade de vida, mas também para reduzir custos hospitalares e desafogar os centros de hemodiálise, tornando o sistema de saúde mais eficiente e acessível.

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