O Feminicídio

Walter Martins de Oliveira – Psicanalista

 

Feminicídio é quando a mulher tem a vida interrompida pelo homem que um dia afirmou amá-la. Significa o crime cometido exclusivamente pelo fato de a vítima ser mulher. A lei 13.104/15, conhecida como a lei do feminicídio, qualifica o crime contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, assegurando que o condenado pode pegar de 12 a 30 anos de reclusão.

Tem esta reflexão, modestamente, o propósito de apontar esclarecimentos referentes quanto aos motivos pelos quais um homem interrompe a vida de sua companheira. Qual deve ser o motivo psíquico que leva um homem a cometer feminicídio? Quais são as causas inconscientes presentes no crime contra a parceira íntima?

O indivíduo machista na ilusão de sua superioridade frente ao objeto de seu bel-prazer (a mulher), ao sentir que o poder de controle está ameaçado, decide tomar a violência como recurso para impedir tal castração, ou seja, a materialização do sentimento de desamparo, fracasso e abandono. Todo sujeito carrega a marca da castração, assim dizendo, do limite, do corte, do “não”, do “espere”, da lei, da interdição. Não há desejo sem lei e não há lei sem desejo. A questão fundamental é como esse homem lida com a castração. Uma vez que ela é necessária, saber elaborá-la na vida adulta é algo também necessário. Mas, por qual meio deve se dar a castração? A educação é o caminho essencial mediante o qual ela pode e deve se concretizar na vida do indivíduo. Logo, a castração é punitiva, mas é também produtiva, fecunda, benfazeja. O “não-castrado” (não educado), no encontro com a mulher, tem-na como mero objeto de sua satisfação. Coloca-se na condição de que, em tudo, tem que ter prazer, a culpa é sempre da outra (companheira intima).  A sociedade, por sua vez, exige (para que se possa fazer parte do processo civilizatório), interdição, limites, e impõe regras, mandatos sociais, leis etc. e isto se faz pela castração (educação). Ocorre que educação é um processo que necessita começar desde a mais tenra idade pela mãe, pelo pai, cuidadores, educadores, educadoras, por todos e todas, como numa educação difusa, irradiada. Isto fará com que o menino construa o seu legado, seu juiz interno, a consciência moral, conjunto de valores, a ética, seu superego; por conseguinte, formará o seu eu (ego) capaz de supervisionar, mediar e equilibrar, à luz da razão e ponderação, sua subjetividade com o mundo externo, ou seja, conciliará o princípio do prazer com o princípio da realidade.

Segundo Santos (2019), depreende-se que o “feminicida” é o sujeito carente e narcisista que não suporta o “não” que a mulher lhe dá. Sim, o feminicídio, tem relação íntima com o narcisismo. Uma vez não interditado, desde a mais tenra idade, criado com excesso de indulgência e sem limites, o menino converter-se-á num adulto frágil (reptiliano), impotente para adiar prazer ou desejo; tornar-se-á num “aleijado” emocional, incapaz de amar, inapto para lidar com o fim de um relacionamento amoroso. Mas, o “não” (insuportável) recebido da ex-companheira o remete à fase simbiótica infantil na qual os desejos e satisfações eram atendidos de modo, praticamente, ilimitados pela mãe que “passava a mão na cabeça”, que não quis contrariar o filho. Logo, essa mãe representada hoje na vida adulta, na pessoa da mulher-companheira, “não pode não me querer, pois é ela que precisa de mim, não eu dela”, tamanho é seu sentimento de superioridade e narcisismo. Em vista disso, ao receber o “não” daquela que já não suporta mais ser sua companheira, vê-se ferido em seu narcisismo. Vale ressaltar que na cultura brasileira, extremamente machista, permite-se ao homem colocar a mulher como objeto existente unicamente para seu bel-prazer. Nossa cultura constrói o homem narcisista, permitindo-lhe julgar ser o que ele não é. De início, não é capaz de escutar os desejos da mulher-companheira. Atem-se unicamente às suas vontades. Ao ser contrariado, reage agredindo e, no limite, assassinando! E a barbárie acontece, rigorosamente, quando a mulher apresenta a ele a castração, ou seja, o “basta”, o término de um relacionamento que sempre foi a realização do desejo dele, nunca o partilhado, muito menos o dela. De acordo com a literatura psicanalítica podemos depreender que o feminicídio significa o édipo não realizado. Ou seja, o menino não terminou a castração, não entendeu que necessitava renunciar à mãe para se colocar disponível a outras tantas mulheres possíveis. Desse modo, por não renunciar à mulher-mãe e projetá-la na mulher-companheira em sua vida adulta, matar a mulher equivale a matar sua mãe. Afinal, de acordo com Silva (2002), o “feminicida”, emocionalmente fraco, inferiorizado e fragilizado diante da parceira íntima, usa a agressividade extrema como mecanismo de defesa. É oportuno que se afirme: nas relações humanas, o agressivo, o violento é o fraco, não o forte.

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