O samba continua

Me apresentaram o Carnaval por meio do inconfundível som da batucada. Naquele tempo infantil jamais imaginaria que a festa mais tradicional do país fosse o símbolo da identidade nacional. Que bom, seria uma chatice viver neste país tropical promovendo piquenique no feriado carnavalesco.
Ainda não tive a oportunidade de me aprofundar no surgimento do Samba – sinônimo de Carnaval – e ler a recém-lançada obra do jornalista Lyra Neto que traz, numa sequência de três livros, “Uma História do Samba: A Origem”, mas, apesar da profissionalização, o Carnaval não deixa de ter a sua origem humilde e negra.
Voltando aos meus carnavais, um ponto de interrogação insiste em permanecer em meus botões. Por que aquele som de batucada, marginalizado pela minha própria família, permaneceu vivo dentro de mim como se fosse um órgão?
Aquele batuque gostoso vinha dos bumbos, repiques, repiniques, surdos, pandeiros e chocalhos da pequena e simples escola de samba Raio de Sol da famosa e tradicional Ruinha (pequeno trecho da rua Dr. Josino), próximo a delegacia de polícia.
Até os vizinhos mais comportados e ligados a igrejas pentecostais saiam até o portão para acompanhar os empolgantes ensaios do pessoal da Ruinha.
Impossível enxergar algum pecado na ingenuidade e na simples intenção de preservar a cultura do povo brasileiro. Condenar é cultivar a ignorância e não há nada mais repugnante que se esconder diante de frases bíblicas sem conhecer o sofrimento de nossas senzalas.
Mas não pensem que a Raio de Sol dominava, sozinha, o nosso Carnaval. Tinha ainda a Supimpa, que fazia das ruas da cidade a sua quadra de samba. Todos entravam na dança do voluntariado. Faziam a coisa pela coisa e as fantasias, decorações ressurgiam diante de figurinos, costureiros e carnavalescos improvisados.
De repente, tudo acabou, e fiquei mortalmente triste com o fim da rivalidade entre Raio de Sol e Supimpa. Foram quatro ou cinco anos silenciosos, sem risos, sem alegrias e sem as barbeiragens dos ensaios das nossas simpáticas escolas de samba. As ruas, deprimidas, me obrigaram a recorrer ao carnaval de salão.
Brinquei em algumas matines no ginásio do Arcão, mas foi com os jovens do Banana Bloco no extinto Capão Bonito Clube que resgatei a paixão pelo Carnaval. Participei de dois ou três carnavais no salão mais tradicional da cidade.
O dinheiro, como sempre, era curto e todos integrantes ajudavam no improviso.
O nosso principal concorrente na disputa pelo melhor bloco era o Balacobaco, composto apenas por mulheres e meninas. Elas esbanjavam elegância e purpurina e nós, empolgação e criatividade.
Adianto-me nas desculpas pela falsa modéstia, mas a festa só começava, efetivamente, quando o Banana Bloco adentrava ao salão.
Vieram os carnavais de rua, uma cópia malfeita da folia da capital baiana e com eles, a morte do carnaval de salão.
Os agitos artificiais começaram no Parque das Águas e a combinação não funcionou.
Em seguida, recorreram à avenida Amazonas, outra decepção apesar da boa estrutura com parque, praça de alimentação, arquibancadas, camarotes e palco.
Demorou para entendermos que o Carnaval é mais alma do que material.
Os blocos de rua explodiram novamente em São Paulo e nas principais capitais brasileiras. As marchinhas de Chiquinha Gonzaga, Braguinha, La-martine Babo, e outros, dominaram e resgataram a alegria que há tempos insistia em adormecer em Capão Bonito.
Até no litoral mais brando, nada de show recheado de palavrões. Um caminhão fantasiado de trio elétrico insistia em andar pela avenida principal de Peruíbe, mas o sucesso deste ano foi uma pequena roda de samba que se instalou em algumas mesas de um pequeno bar localizado no calçadão da região central.
Ali, ouvimos desde Alcione com o obra-prima Não Deixe o Samba Morrer, até Saudosa Maloca de Adoniran Barbosa.
Numa pequena fração de segundos entre uma música e outra, puxei Geraldo Filme: “Quem nunca viu o samba amanhecer…”, e eles continuaram: “Vai no Bixiga pra ver, vai no Bixiga pra ver.…”. É o bom Carnaval de volta!

Francisco Lino é Jornalista.

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