Walter Martins de Oliveira – Psicanalista e Doutor em Educação
Na véspera do sábado, na sexta hora do dia, tudo parou para dar testemunho do assassinato de um Nazareno que, por sua teoria e prática, havia provocado a ira das autoridades do templo em Jerusalém e desafiado a ocupação romana. Na nona hora do mesmo dia, incapaz de suportar a pressão dos suplícios, esse homem ergueu a cabeça para o céu e com um grito alto e agonizante, entregou seu Espírito. Mas, para os seus seguidores e seguidoras não era um “criminoso” comum. Ele é o Agente de Deus na Terra. Com seu último suspiro o véu do templo que separava o altar dos Santos dos Santos, violentamente rasgou-se em dois, de cima abaixo, simbolicamente declarando uma nova era, um novo tempo, um novo jeito de ver, sentir e amar o mundo, as pessoas e a vida. O véu do templo que separava o Divino do mundo humano, rasgou-se e, a partir dali todos e todas, especialmente os mais necessitados e invisibilizados da sociedade, podem acessar o Espírito de Deus sem a mediação ritual. Significa que, para esse fim, não será mais necessária a religião do templo. E o mais extraordinário aconteceu: Jesus ressuscitou (ASLAN, 2013). Para o olhar psicanalítico, a Páscoa é uma metáfora sobre cada um de nós, todos nós e toda a sociedade humana. Simboliza o que precisamos perder (perdas necessárias), atravessar e transformar. É uma passagem interior de cada sujeito para a necessária travessia coletiva, como comunidade de irmãos e irmãs. Tal e qual a narrativa da Páscoa (paixão, morte e ressurreição de Cristo), o sujeito hoje também é traído, humilhado, perseguido, condenado e morto. Porém, depois, retorna, ressuscita, como homem/mulher novo, empoderado para reconstruir uma sociedade igualmente nova. Identificado com aquele e aquela que reconhece sua travessia diante das perdas, faz o luto e o silêncio, atribuindo sentido à dor. O ser humano não foi feito para morrer embora ele morra, mas foi feito para recomeçar. Nesse sentido, a Páscoa é o tempo do renascimento como passagem pelo desamparo e reconstrução subjetiva, do renascimento simbólico, é o tempo da elaboração (Freud). Na cruz de cada sujeito e na cruz da sociedade humana como um todo, está exposto o corpo que não é só carne, mas é também linguagem, ou seja, é um corpo que sente, cala, fala, clama e até grita. E se Jesus “morre pelos pecados do mundo”, essa afirmação aponta para a culpa coletiva, algo pecaminoso que está na estrutura da sociedade, no sistema que sustenta as perversidades da economia, da política e da cultura. Decorre daí a urgência da ressurreição que se traduz na escuta das dores e sofrimentos, não para serem silenciados, mas para que cada um e todos possamos fazer a travessia, morrermos para as mentiras e ilusões que nos aprisionam e ressuscitarmos para os desejos que nos movem. Seguramente, a Psicanálise vem para nos convocar à escuta do coração, a um passo mais ousado, a uma vida que apesar das cruzes, ainda possa florescer para todos e todas.