À francesa

A praça Rui Barbosa é o nosso coração, apesar de o mato em forma de coração que inspirou o nome da cidade se localizava em outra posição geográfica. O quadrado central virou referência por ser uma extensão da Matriz Nossa Senhora da Conceição e por abrigar as principais atividades sociais das primeiras décadas de vida do município.
O Largo da Matriz abrigou o histórico coreto que foi o principal palco para os músicos da época. Serviu também para os jovens de tempos atrás se encontrarem no famoso “footing”, dando voltas e voltas no extinto piso Copacabana na tentativa de arrancar um simples piscar de olhos das elegantes moças que buscavam um bom partido masculino.
A praça dos comícios, da festa do divino, da fonte luminosa, dos temidos guardinhas, do João da Fonte… Tudo isso nos remete a um saudável saudosismo, mas hoje é triste passar por ela e ver que o banco do Itamar está vazio.
Ali, em quase todo entardecer, ele sentia as brisas refrescantes que vinham da Serra do Paranapiacaba.
Pode até transparecer uma certa chatice as inúmeras citações sobre o saudoso Itamar Bernardes de Freitas, que no último dia 16 de janeiro, completou quatro anos de sua partida de um mundo cada vez mais sem sabor e sem a espiritualidade dos bons malandros.
Sinto-me, sem dúvida, um privilegiado, apesar da diferença de idade, por ter convivido diretamente com essa figura que acrescentava um tempero especial à nossa cidade, atualmente tão cálida. Infelizmente ele se foi, mas suas histórias permanecem vivas entre aqueles que apreciam a maneira simples de cultivar a vida.
Dividimos bons momentos e um desses capítulos ímpares de minha ainda jovem vida se passou no tradicional restaurante francês localizado no Largo do Arouche na capital paulista, o La Casserole, fundado em 1954 pelos imigrantes franceses Roger e Fortunée Henry.
O bistrô permanece como um dos mais requintados e está há anos entre os melhores de São Paulo.
Não sei se é possível para você, leitor amigo, imaginar o nosso saudoso Itamar, com o aquele seu figuro tradicional caracterizado pela bolsa de couro transpassada na volumosa barriga, jantando num restaurante francês da elite paulistana. Mas lá estávamos, eu, Itamar, e mais dois amigos: Dr. Roque e Yuri.
Fomos bem recebidos e mesmo sendo um homem atípico naquele ambiente, Itamar conquistava pela simpatia.
Fazia questão de cumprimentar um a um dos funcionários, do barman ao manobrista.
Já assentados, veio a carta de vinho e optamos por uma garrafa de Sassoarollo safra 2010 e em seguida, o garçom nos apresenta o cardápio para a escolha do prato.
Meio perdido com a culinária francesa, Itamar escolheu o mais tradicional da casa: o clássico pato ao molho de laranja.
O preparo não demorou mais que 20 minutos e ao receber o pedido, Itamar observou por alguns segundo o molho amarelo e as folhas decorativas, juntou os dedos indicativo e polegar e não teve nenhum tipo de constrangimento ao afastar e rejeitar o prato: “Olha, para vocês eu falo a verdade: não es-tou com fome! “.
Deixou o pato ao molho de laranja intacto na mesa e saiu do Casserole fumar seu inseparável Malboro.
Uma saída literalmente à francesa.

Francisco Lino é jornalista.

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