Depressão Social e “Setembro Amarelo”

Walter Martins de Oliveira, Psicanalista e Doutor em Educação

 

A Depressão Social/coletiva será aqui analisada à luz das teorias psicanalíticas, com vistas a alcançar uma compreensão mais profunda das causas e processos ocultos a este tipo de depressão; ademais, melhor desenvolver intervenções mais eficazes para a realidade atual. Para que se possa julgar quais fatores da vida cotidiana mais contribuem para o desequilíbrio mental, é condição sine qua non estudar as influências específicas do sistema capitalista. A Depressão Social é, notoriamente, um fenômeno que reproduz a sensação de tristeza, desânimo e falta de esperança, geralmente relacionada a fatores sociais como desemprego, desigualdade, racismo, machismo, homofobia, discriminação e isolamento social. Para Freud, a Depressão Social está relacionada a perdas significativas, sejam elas reais ou simbólicas, comumente ligadas a uma posição social, status econômico, ou identidade cultural. São perdas simbólicas, graças às estratégias de marketing do capitalismo em seu estágio atual (bárbaro e lógica perversa – o neoliberalismo), que estrutura a felicidade no consumismo, impondo um estilo de vida no consumo desenfreado de bens materiais e nas falsas necessidades. Impõe uma maneira de consumir que tem como resultado o indivíduo nunca se sentir satisfeito. Para Angerami (2021), o exemplo nítido desse simbolismo se evidencia na aquisição de um carro (veículo de locomoção), ou de um celular de última geração, como conquista indicadora de status, poder financeiro, ascensão social, dominação, sucesso etc. Por conseguinte, o significado simbólico expressa que o veículo ou o celular representam muito mais que um objeto em si. Conquista-se nem sempre para atender a uma necessidade real, mas para satisfazer às exigências e expectativas da sociedade na qual o sujeito está inserido. Não ter condições financeiras para adquirir objetos com tanta força simbólica, impõe a um número considerável de pessoas, sofrimentos psíquicos diversos que muitas vezes fluem para o desequilíbrio emocional, depressão e, no limite, ideação suicida. O “pai” da psicanálise, preconizando o surgimento do neoliberalismo, também destaca que, na Depressão Social, a perda pode ser difusa, generalizada e coletiva, como a perda do senso de comunidade e dos valores culturais compartilhados. No bojo da referida doutrina econômica (neoliberal), enfraquecem-se os laços interpessoais, imprime-se a concorrência nas relações sociais e passa-se a viver a sociedade do individualismo, do egoísmo, do prazer pelo prazer e do narcisismo. O neoliberalismo não se cansa de gritar: faça mais com menos! Trabalhe enquanto os outros dormem! Acorde cedo e produza mais! Diante disso, quem tem tempo para o autocuidado? Ordena tomar um remedinho para que rapidamente tudo se resolva, pois o Modo de Produção exige seu trabalho ininterrupto. Mas, quem está ganhando com tudo isso? E quem está perdendo com tudo isso? Significa a autêntica produção do homem/mulher de massa: incapaz de escolher, incapaz de atividades espontâneas, indivíduo paciente, dócil, disciplinado ao trabalho, condicionado, consumista, alienado e passivo bárbaro. Melaine Klein, famosa psicanalista austríaca, nasceu em 1882 em Viena e faleceu em 1960, em Londres (Inglaterra), assegura que a Depressão Social, pode ser aplicada ao sentimento de fragmentação e desintegração do tecido social, onde a insegurança e a desconfiança podem dominar, levando o indivíduo a uma visão pessimista do mundo, da vida e das relações interpessoais. Erich Fromm, filósofo humanista, sociólogo e um dos mais destacados psicanalistas contemporâneos, nasceu em 1900, em Frankfurt (Alemanha) e faleceu em Muralto (Suíça). Fromm concatenou psicanálise com sociologia e filosofia. Para ele a saúde mental está visceralmente ligada às questões sociais e econômicas da realidade de cada povo. Alerta que a sociedade que fomenta alienação, consumismo e promove a destruição de vínculos comunitários está fadada às mais diversas patologias sociais, dentre elas, obviamente, a Depressão Social. Fromm sustenta que, na Depressão Social, o indivíduo aliena-se, isola-se de si mesmo, do trabalho, da comunidade e da sociedade em geral. A atividade econômica não pode ser a senhora da sociedade. Para ele, nem o socialismo nem o capitalismo consideraram a complexidade das paixões humanas. O socialismo julgou que a bondade do ser humano se manifestaria automaticamente ao serem atingidas as mudanças econômicas. Portanto, negligenciou a necessidade de mudança interior dos seres humanos. O capitalismo subordinou a vida individual e social à atividade econômica. Extirpou o sentido de comunhão, desagregou o indivíduo, tornando-o alienado e destituído do verdadeiro sentido de pertencimento à comunidade. Fez do indivíduo uma coisa a ser usada pelos outros ou por ele próprio. Diante do exposto, e no contexto do “Setembro Amarelo” (campanha de conscientização sobre a prevenção do suicídio), faz-se necessário analisar como a Depressão Social pode influenciar a ideação suicida e o suicídio em ato. Em que pese não haver um motivo único para tais fenômenos, o indivíduo, sentindo-se num mundo hostil ou indiferente, constatando-se impotente frente às adversidades sociais ao experimentar um desamparo extremo, julgando não haver saída para o seu sofrimento dentro do ambiente social em que vive, após esgotar todas as outras formas de lidar com seu suplício, decide que a morte é a única maneira de acabar com a dor. Verá o suicídio como a única solução ou tentativa desesperada para escapar de um martírio insuportável. Depreende-se, segundo Fromm, que o mundo atual se retrata, no homem/mulher, como uma “coisa que fala”, numa sociedade (depressiva, enferma), que entende a vida como um empreendimento comercial que deve produzir lucro. Quanto à prevenção, é essencial reconhecer os fatores sociais que contribuem para a depressão, ou seja, não há apenas indivíduos acometidos por depressão, mas igualmente há uma sociedade que produz e influencia o surgimento de indivíduos com profundos conflitos intrapsíquicos não resolvidos. É inadiável desenvolver estratégias de prevenção que considerem tantos os fatores individuais quanto os coletivos. É crucial priorizar a implementação de políticas públicas que promovam a inclusão social, o apoio psicológico e a criação de um ambiente em que o indivíduo se sinta valorizado e amparado. Políticas públicas que reduzam a desigualdade social, promovam a inclusão, a equidade e combatam a discriminação. É urgente resgatar o genuíno ambiente comunitário. A Depressão Social (ainda mais) no contexto do “setembro amarelo”, necessita ser compreendida e abordada de maneira holística, globalizante. Seguramente, a escuta psicanalítica pode ser uma ferramenta poderosa na prevenção da ideação suicida e do suicídio, ao proporcionar ao sujeito encontrar formas adequadas de lidar com seu sofrimento.

 

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