Basta de corrupção

O Brasil a-guarda com muita atenção a aprovação do Projeto de Lei 4.850/2016, que abriga 10 medidas contra a corrupção. Trata-se do passo mais avançado que o país dá para combater a roubalheira, no caminho aberto pelo Ministério Público Federal e que ganhou formidável apoio social com a assinatura de mais de 2 milhões de pessoas.
O PL trata, entre outros aspectos, da criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos, da aceleração de processos, da responsabilização dos partidos políticos e criminalização do Caixa 2, a par da prevenção à corrupção, da transparência e proteção às fontes de informação.
Urge destacar que o projeto nasce na seara social. Inicialmente, as medidas foram de iniciativa de integrantes da Operação Lava Jato em Curitiba, sendo aperfeiçoadas posteriormente por comissão instituída pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e apresentadas à sociedade para sugestões e críticas. Tem, portanto, as bênçãos do povo na comprovação de que a sociedade ganha força e manda um recado aos poderes da República.
O projeto não abriga todos os fatores que influenciam a corrupção na vida pública, mas é, seguramente, o mais alentado passo para a higienização política que o Brasil registra em sua trajetória republicana. O Projeto deverá enterrar a velha política e fazer germinar um novo ciclo na gestão do Estado e no circuito da representação parlamentar. A sociedade faz clara manifestação de que pretende impulsionar nossa democracia direta, hoje assentada sobre três instrumentos constitucionais: o plebiscito, o referendo e os projetos de iniciativa popular. Nessa última frente nasce o PL 4.850.
Corrupção no pico
Por que surge apenas agora? Porque a corrupção chegou ao pico da montanha; e porque os escândalos em série solapam as bases da representação política, minando a confiança popular nos governantes, fazendo desacreditar as ações e programas que se estabelecem à sombra do Estado, destroçando imagens dos Poderes, enfim, corroendo o estoque de esperanças das massas. O projeto poderia ter sido iniciativa da própria esfera política? Sim, mas não prosperaria. Seria soterrado pela malha de interesses difusos do próprio corpo representativo.
Nesse sentido, cabe pontuar sobre a força ascendente-centrípeta, de baixo para cima e de fora para dentro, que se expande no país. Trata-se da base sobre a qual repousa a democracia direta, cuja configuração pode ser enxergada nas mobilizações dos cidadãos e de suas entidades de agregação profissional. A miríade de associações, sindicatos, grupos, núcleos e movimentos que surgem em todas as regiões do Brasil parece ser um contrapon-to (e indignação) à nossa democracia representativa. Os eleitos não estariam cumprindo satisfatoriamente suas tarefas.
A própria gestão pública também é objeto de contrariedade. Locupletada por quadros indicados – e muitos sem mérito – por políticos, a estrutura administrativa tem servido de espaço para tramóias e arrumações ilícitas. Tecnocratas das malhas do poder público, frequentemente, tomam decisões frias, distantes do calor das ruas.
O ciclo de banalização de escândalos por que passa o País chegou às margens sociais, minando a confiança. Escorrendo pelo ralo, ela arrasta consigo a força cívica, o amor à Pátria, o sentimento de inclusão e de identificação com os símbolos nacionais, o orgulho de perten-cimento a uma sociedade com padrões éticos e morais. Em outra ponta, acendem-se luzes; um leve sinal de esperança ressurge. Todos os espaços, centros e margens, sob os sons da tuba de ressonância midiática, enxergam lama escorrer da arquitetura política. Formam-se as conexões que produzem a química para a flor nascer no lamaçal.
Produto nacional bruto da infelicidade
Instigados pela profusão de casos escandalosos (mensalão, petrolão etc), os núcleos organizados da sociedade ganham impulso e visibilidade, saem às ruas e cobram apuração pelos órgãos de controle e defesa (MP, PF, Judiciário).
O fermento faz crescer o bolo da indignação e, assim, agiganta-se o Produto Nacional Bruto da Infelicidade, amalgamado por ondas de desemprego (atingindo 12 milhões de pessoas), violência, precário sistema de saúde, deficiência de transportes. Contingentes retor-nam, amargurados, à base da pirâmide após terem perdido as condições que os levaram ao patamar das classes médias.
A Operação Lava Jato, na paisagem devastada pela cor-rupção, emerge como a “espada de São Jorge” que Poder Ju-diciário, Ministério Público e Polícia Federa passam a brandir contra criminosos de colarinho branco, alguns com origem na política, outros na área empresarial.
O fato é que esse PL contra a corrupção eleva ao alto a bandeira ética. O povo vê na ética o resgate das coisas do bem, os valores da felicidade, as fontes de justiça, os eixos da amizade, da solidariedade e da dignidade.
Por essa via, a comunidade nacional pode reencontrar o meio para mudar a política, me-lhorar o perfil da democracia representativa, aperfeiçoar o sistema partidário, qualificar os governos e as administrações, ampliar os espaços da democratização da sociedade civil e consolidar a cidadania, diminuindo a distância entre o Estado e a Nação.
O país carece de partidos fortes, doutrinários, distribuídos em não mais do que seis ou sete grandes tendências; exige disciplina e fidelidade partidária para clarificar o sistema, dando-lhe maior autenticidade.
Faz-se necessário um novo político comprometido com uma nova ordem, uma visão menos individualista e mais solidária. A hora é propícia para moralizar a vida pública. E banir da política aventureiros, oportunistas e corruptos.
Esse é o espírito do Projeto de Lei que contém as dez medidas contra a corrupção.

Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação.

Veja também