Padre surdo ouvia com o coração

Os povos surdos, as igrejas e outras instituições de surdos, tem profundo sentimento de saudade e recordam com emoção do primeiro padre surdo do Brasil e da América Latina e segundo do mundo: Vicente de Paulo Penido Burnier, natural de Juiz de Fora/MG.
Estimulado pelos familiares, com dois irmãos se preparando para o sacerdócio, Vicente desejava entrar no seminário, mas não foi recebido pela sua surdez. Insistindo em abraçar o sacerdócio, frequentou o Instituto Nacional de Educação de Surdos no Rio de Janeiro e teve professor particular e após muito estudo e dedicação, conseguiu permissão para entrar no seminário e pela sua brilhante inteligência, completou os estudos em 1940, tendo no ano de 1951, obtido licença para que fosse ordenado padre pelo então Papa Pio XII, mesmo sendo surdo.
A família Penido era um modelo de vida cristã e religiosa, de acordo com as mais sadias tradições mineiras.
Padre, depois Cônego e Monsenhor, exerceu o melhor sacerdócio que muitos outros padres com perfeita audição, ele anunciou a palavra de Deus sem escutá-la.
Quando ainda padre, Vi-cente de Paulo Penido Burnier, esteve em Capão Bonito, onde atuou como intérprete de um jovem surdo mudo em processo do júri, em que atuou na acusação o Promotor de Justiça Luiz Flavio Gomes (hoje eminente jurista), sendo o Juiz Presidente Magim Valencia Siota, e este articulista atuando como defensor dativo.
O ilustre sacerdote esteve no bairro rural onde o acusado residia, conhecendo sua humilde morada e sua bondade até com as plantas e os animais.
Estudou minuciosamente o processo e teve relevante atuação no desenrolar dos trabalhos no plenário do júri, com a presença de grande público, inclusive oferecendo subsídios aos jurados.
O julgamento foi acompanhado pela imprensa da região, inclusive com a presença do jornalista Carlos Tramontina da Globo.
Vicente Burnier comunicava-se por meio de linguagem oral em cinco idiomas; português, francês, espanhol, italiano e inglês. O que mais impressionava a quem dele se aproximava era a benignidade de seu semblante sorridente e sua paciência, reflexos de uma paz interior e felicidade.
O arcebispo Gil Antonio Moreira, ao relembrar do primeiro padre surdo do Brasil, afirma:
“Não é preciso ter ouvido para ouvir a palavra de Deus, basta ouvir com o coração, assim como não é preciso ter voz, mas deixar falar a voz do coração” .

Antonio do Amaral Queiroz Filho, advogado

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